O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve ser tratado como um cidadão comum e, portanto, seu julgamento deveria ocorrer na primeira instância, garantindo-lhe o direito a recursos. Para Mello, ao assumir o caso, o STF extrapola sua competência e compromete princípios jurídicos fundamentais.
Em entrevista à coluna Maquiavel, da Veja, o ex-ministro enfatizou que a Corte não deveria fracionar seus julgamentos e reiterou sua visão de que Bolsonaro deve ser submetido ao devido processo legal, assim como os demais investigados pelos atos de 8 de janeiro.
“O julgamento de Bolsonaro deveria ser na primeira instância, assim como os inquéritos e ações relacionadas aos cidadãos comuns que participaram dos episódios de 8 de janeiro. Quando isso não ocorre, o princípio do juiz natural é prejudicado, e a pessoa perde o direito de recorrer a outra instância para revisão do caso. Isso compromete a cidadania”, afirmou Mello.
O ex-ministro destacou que a Constituição delimita claramente as competências do STF e argumentou que a prerrogativa de foro visa proteger o cargo, não o indivíduo.
“A Constituição estabelece a competência do Supremo, e isso está escrito. Não há espaço para interpretações que ampliem esse alcance. Além disso, a doutrina sugere que essa previsão busca proteger o cargo, não o cidadão. Hoje, Bolsonaro é um cidadão comum, ainda que com a cidadania limitada pela inelegibilidade”, disse.
Mello também criticou o fato de o julgamento ocorrer na Primeira Turma do STF, o que, segundo ele, fragmenta o tribunal e fere a tradição da Corte.
“O Supremo é o plenário. Durante meus 31 anos na Corte, as ações penais eram julgadas exclusivamente pelo plenário. Agora, vemos múltiplos ‘Supremos’. Se continuarmos assim, daqui a pouco teremos julgamentos monocráticos e individuais. Isso está errado.”
Encerrando a entrevista, o ex-ministro revelou que não analisou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e que tampouco pretende fazê-lo.
“Não conheço a peça e nem tenho curiosidade. Apesar de ainda gostar muito do direito, prefiro dedicar meu tempo a assistir séries, filmes, ler livros e elaborar pareceres.”