Inclusão: startups oferecem serviço de entrega em domicílio para comunidades | Revista Logística

by g360noticias
Inclusão: startups oferecem serviço de entrega em domicílio para comunidades | Revista Logística

Não é exagero dizer que a sensação de inclusão toma conta dos moradores de favelas quando passam a receber em casa produtos comprados pela internet, uma ação banal para quem vive em grandes centros, principalmente depois da pandemia de covid-19, mas que era quase inexistente nesses locais. A mudança foi possível após startups superarem desafios logísticos – como falta de CEP, vielas e becos sem nome, casas sem numeração e escolha adequada de veículos – e passarem a oferecer o serviço de entrega em domicílio para comunidades.

“Antes, eu via minhas amigas de outros bairros receberem suas compras e correspondências em casa e me sentia excluída, achava que nunca teria essa possibilidade”, diz Eloah dos Santos, de 38 anos, moradora da Rocinha, no Rio de Janeiro. “Passei a me sentir parte do e-commerce a partir do dia em que me cadastrei, em 2021, no Carteiro Amigo Express”, afirma, referindo-se à empresa que lá atua.

Solteira, mãe de três filhos, conta que a compra mais importante que fez foi uma impressora. “Trabalhei com papelaria personalizada durante a pandemia, quando fiquei desempregada, e precisava da impressora para isso. Foi o sustento da minha casa durante muito tempo.” Hoje, ela trabalha como monitora em passeios culturais promovidos pela prefeitura do Rio.

Moradora de Ferraz de Vasconcelos (SP), Carliene da Silva Pereira, 33 anos, também tem três filhos. “Com as entregas em domicílio você sabe que pertence a um lugar. Eu pertenço à Favela dos Sonhos e posso ter os mesmos direitos de uma pessoa que mora no asfalto ou no centro de São Paulo”, afirma. “Até para comprar gás, que é uma coisa básica, era difícil.”

No Brasil existem mais de 16 milhões de pessoas vivendo em 6,55 milhões de domicílios erguidos em 11.403 favelas espalhadas pelo país, segundo prévia do Censo 2022 – a data de divulgação dos números finais não está definida. Giva Pereira, fundador e CEO da Favela Brasil Xpress, com atuação principal em Paraisópolis, na capital paulista, diz que um levantamento feito com base no tíquete médio das 1,6 milhão de entregas feitas pela empresa, desde o seu início em setembro de 2020, aponta para um valor total de R$ 1 bilhão em mercadorias. Para ele, isso comprova o potencial econômico das comunidades.

A Favela Brasil Xpress surgiu após Pereira se voluntariar para, na pandemia, fazer entregas de doações e cestas básicas em Paraisópolis, que tem cem mil habitantes. Esse trabalho permitiu adquirir um grande conhecimento do interior da favela, o que acabou sendo a base da empresa, fundada juntamente com Gilson Rodrigues, do G10 Favelas.

Em 2021, uma parceria com o Google e a Americanas permitiu fazer o mapeamento das casas e criar um código para elas, que acabou sendo chamado de CEP digital. As compras são enviadas para a base da empresa na comunidade e depois despachadas para o morador por um entregador da companhia, que sempre é um residente local. A Favela Brasil Xpress é remunerada pelos vendedores por essas remessas.

Segundo Pereira, Paraisópolis tem hoje 15 mil residências mapeadas e até o fim de junho o número deverá ser acrescido de mais oito mil. Hoje, sua empresa tem sete microcentros de distribuição espalhados por favelas de São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. Em 2022, usou a Bolsa de Valores da Favela – uma espécie de crowdfunding – e conseguiu captar R$ 980 mil para investir em estrutura e equipe para expansão. Entre os parceiros estão Americanas, Casas Bahia, Mercado Livre e Total Express.

A Carteiro Amigo Express (CAE) foi fundada em 2000 por Carlos Pedro Silva, Elaine Silva e Sila Vieira, recenseadores que atuaram em favelas no censo daquele ano. Por conta própria, passaram a questionar o morador se tinha interesse em receber sua correspondência, ou retirá-la em algum ponto dentro da comunidade, e se pagaria por isso, segundo Thiago Monsores, sócioinvestidor e CPO da Carteiro Amigo.

O grande número de respostas positivas incentivou-os a criar a Carteiro Amigo. Eles aproveitaram as visitas às casas dos moradores para mapear a Rocinha e passaram a vender o serviço por meio de assinaturas. Dependendo do plano, o morador pode receber cinco ou dez encomendas por mês e fazer dois ou quatro envios. Os fundadores são pais e tio do atual CEO, Pedrinho Jr.

Uma nova fase do negócio começou a germinar a partir da pandemia. “Vimos o volume de entregas crescer e concluímos que havia um público adicional: as empresas”, conta Monsores. A CAE já obteve investimentos de R$ 400 mil da Via Fácil, R$ 500 mil de subvenção pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e, em 2023, conquistou R$ 1 milhão, afirma Monsores, dos participantes do programa Shark Tank. São investimentos para embasar o projeto de crescimento. “Queremos atingir neste ano mais de cinco mil assinantes. Temos uma perspectiva de fazer 600 mil entregas neste ano só em favelas”, diz.

A Carteiro Amigo fechou 2023, conta Monsores, com mais de R$ 20 milhões de faturamento, incluindo o ecossistema Via Fácil, que faz entregas para áreas no entorno de 7 km das comunidades, sendo que R$ 400 mil vieram das operações nas favelas. “Para este ano, a previsão de faturamento é de R$ 30 milhões, sendo R$ 2 milhões com as favelas”, destaca.

Fundada em 2021 pelos jovens Sanderson Pajeú, que já foi morador de favela, Katrine Scomparim, Leonardo Medeiros e Rodrigo Yanez, a naPorta atua principalmente no Rio de Janeiro. E também é parceira do Google para fazer o mapeamento digital. Segundo Scomparim, foram mapeadas 21 favelas em São Paulo com CEP digital, favorecendo 17 mil pessoas em 4,3 mil endereços.

A empresa, que acabou de passar por uma rodada de investimentos – Scomparim não revela os valores captados –, ampliou sua área de atuação para além das favelas e tem 12 clientes. São companhias como Riachuelo, Magalu, Americanas, Mercado Livre, Shopee, C&A e Petlove. “Em dois anos de atuação, fizemos mais de 400 mil entregas”, diz. A naPorta está presente na Cidade de Deus, Rio das Pedras, Rocinha, Gardênia, no Rio, e Ferraz de Vasconcelos, Lajeado e Poá, em São Paulo.

Fonte: valor.globo.com