Quando a Shopee iniciou as obras do primeiro centro de distribuição (CD) na Grande São Paulo, em 2021, poucos tinham a dimensão da velocidade com que a gigante do e-commerce asiático, criada em Cingapura, montaria sua estrutura no país. Em julho de 2022, já eram seis CDs e, em fevereiro deste ano, foi inaugurado o décimo, o primeiro no Centro-Oeste, em igualdade com Mercado Livre e Amazon. As operações funcionam no modelo cross-docking, isto é, as mercadorias são coletadas por parceiros logísticos, levadas até o CD, reorganizadas e encaminhadas para os hubs de última milha para serem entregues ao consumidor.
Soma-se a essa estrutura mais de cem hubs logísticos de primeira e de última milha, mais de 1,8 mil pontos de coleta e entrega – que permitem que os vendedores ali depositem seus produtos e a Shopee se encarrega de levá-los até o consumidor – e cerca de 20 mil motoristas parceiros. Nas cidades menores, o reforço vem de 250 pontos regionais de colaboradores logísticos. Conhecidos como XPTs, são espaços que recebem pacotes destinados apenas à distribuição local.
“A logística é essencial no nosso modelo de negócio. Somos um marketplace que conecta consumidores e vendedores em uma experiência de compra fácil”, afirma Rafael Flores, head de expansão e malha logística da Shopee. “Desde que começamos a expansão, aumentamos nossa capilaridade de entrega em seis vezes.” Com isso, a plataforma conseguiu garantir mais agilidade nas entregas dos pedidos dos mais de três milhões de vendedores brasileiros, que representam 90% das transações.
Segundo Roberto Wajnsztok, sócio-diretor da Gouvêa Consulting, o momento é de repaginação das operações logísticas. “São os volumes que ditam a velocidade das mudanças, assim como o desejo do consumidor em ter o produto na mão no mesmo dia”, afirma. Os números comprovam. Estudo feito pela eMarketer, empresa de pesquisa de mercado, destaca que em 2020 apenas 17,8% das vendas do varejo eram feitas a partir de compras on-line ao redor do mundo. Até 2025, a expectativa é que essa participação chegue a 23,6%, ultrapassando US$ 5,5 trilhões.
O Brasil representa uma fatia significativa desse mercado. Em 2023, as vendas on-line alcançaram R$ 187,7 bilhões, mais 9,5% ante o ano anterior, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). O contingente de consumidores saltou de 83,79 milhões para 87,8 milhões no período. A expectativa da ABComm para este ano é de vendas de R$ 205,1 bilhões.
O volume de pedidos cresce na mesma proporção da exigência de entregas rápidas, com qualidade, em qualquer lugar do país. “Há seis anos era tolerável aguardar quatro dias por um produto. Hoje, os grandes players trabalham com horas e, num futuro próximo, as entregas serão com horário marcado”, diz Wajnsztok. A rapidez na entrega, segundo a consultoria Capterra, tem peso superior (49%) ao preço do produto (33%) na hora da compra. Com a competitividade em alta, a logística deixou de ser um pilar operacional para se tornar um diferencial estratégico à medida que a velocidade e a experiência do consumidor ganham mais relevância.
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Maior e-commerce da América Latina, o Mercado Livre tem uma estrutura logística robusta. São dez CDs fulfillment – operação logística que atua desde o centro de controle até a expedição para envio –, centros de recebimento e de triagem, 23 centros cross docking, 104 centros de serviços, 4,5 mil agências Mercado Livre, nove aviões no Brasil, 4,6 mil caminhões e mais de 28 mil entregadores. Em 2023, o número total de itens que chegaram aos compradores pelo modelo fulfillment cresceu 45%, somando 650 milhões, com quase 90% das entregas feitas dentro de 48 horas.
“Desenvolvemos internamente um sistema de gerenciamento que possibilita a realização de entregas no mesmo dia para várias regiões do país”, diz Luiz Vergueiro, diretor sênior de operações do Mercado Livre no Brasil. “A eficiência na gestão da última milha e das rotas fica por conta dos ‘services centers’, galpões menores próximos às regiões de entrega, otimizando os custos operacionais.”
O Mercado Livre faz da tecnologia uma aliada nessa jornada. Nos cross dockings usa softwares que avaliam destino, velocidade e serviço, escolhendo a melhor transportadora para fazer a entrega. Dentro do ecossistema do mercado de envios, adota diferentes modelos de machine learning (aprendizado de máquina) para prever vendas futuras de cada item que entra no CD fulfillment. “O objetivo é que os produtos de interesse do usuário estejam disponíveis e armazenados no centro de distribuição mais próximo da residência, o que permite o envio para os consumidores com muita agilidade”, afirma Vergueiro.
Em 2023, a operação brasileira recebeu investimento de R$ 19 bilhões para impulsionar importantes frentes de negócios – entre elas, tecnologia e logística. No ano passado, a receita líquida foi de US$ 14,5 bilhões, 37,4% maior do que em 2022. O volume total de vendas cresceu 29,9%, somando US$ 44,8 bilhões. Com cerca de 85 milhões de compradores ativos, o número de itens comercializados subiu 22,4%.
Diminuir os custos logísticos tanto para os varejistas virtuais quanto para os consumidores, sem comprometer a qualidade dos serviços, é um desafio a ponto de as logtechs – startups focadas em logística – investirem uma média de R$ 750 bilhões em inovação por ano, segundo a Associação Brasileira dos Operadores Logísticos (Abol).
Não à toa grandes marketplaces trazem para seu guarda-chuva parceiros que os ajudam a melhorar processos e sistemas. É o caso do Magalu, que desde 2017 conta com o Luiza Lab, laboratório de tecnologia e inovação. “Nossa plataforma foi desenvolvida dentro de casa. São cerca de dois mil desenvolvedores e a previsão é chegar a três mil até o fim do ano”, diz Décio Sonohara, diretor de logística.
Com a visão de que a logística deixou de ser um suporte para ser estratégia, o Magalu tem sua própria operadora logística, que atende às marcas do grupo e empresas do mercado. “O e-commerce responde por 70% do volume de serviços”, afirma Sonohara. “No terceiro trimestre de 2023, o volume de vendas on-line foi de R$ 11 bilhões e as vendas do marketplace chegaram a R$ 4 bilhões.” São 326 mil vendedores, com mais de 114 milhões de ofertas.
Segundo ele, o Magalu Entregas responde pelo envio de 80% dos pedidos da plataforma, sendo que 51% das entregas são realizadas em 48 horas. Atualmente, 23% dos pedidos são retirados nas mais de mil lojas físicas habilitadas e 14% são entregues usando a estrutura de fulfillment. “São mais de 2,4 mil vendedores usufruindo dos benefícios de escala e lojas físicas oferecidos nos oito centros de distribuição habilitados. Ao armazenar produtos, o custo de entrega cai 25%, resultando em um aumento direto de 25% na taxa média de conversão de vendas.”
Cada vez mais, diz Luiz Otávio Fonseca, sócio-diretor da indústria de consumo da Deloitte, boa parte dos lucros do e-commerce virá da eficiência logística, e não da venda. “Muitos operadores passaram a oferecer serviços de otimização logística, leilão de fretes, gestão de supply chain para terceiros”, destaca. “Cobrar pelo frete também se torna um modelo de negócio, porque quanto mais perto o produto estiver do ponto de entrega, em decorrência de dark stores ou lojas transformadas em hubs logísticos, maiores a eficiência e a rentabilidade do modelo de negócio baseado em frete.”
A adoção da inteligência artificial (IA) na cadeia de suprimentos, dizem os especialistas, fará a diferença na busca por mais eficiência, ajudando na tomada de decisões mais assertivas. “Com o uso de algoritmos, é possível prever a demanda com mais precisão, otimizando quantidade, posicionamento e variedade de estoque”, diz Gabriela Guimarães, vice-presidente de operações de varejo e e-commerce da DHL Suplly Chain. “Depois do comportamento de venda e integração da cadeia, o próximo passo será conhecer em profundidade o comportamento de entregas, otimizando assim, além da armazenagem, a consolidação de carga e roteirização.”
A eficiência logística, segundo Rodrigo Bandeira, vice-presidente da ABComm, também passa pela oferta de serviços para pequenos e-commerces, uma fatia significativa do mercado. Segundo a pesquisa Perfil do E-Commerce Brasileiro, feita pela BigDataCorp, as lojas virtuais de pequeno porte, com faturamento de até R$ 5 milhões, representam 87,5% do mercado. Em 2023, eram 1,9 milhão de lojas virtuais ativas. “São elas que mais trabalham os volumes fracionados, uma carga ainda sensível em vários aspectos. Nem as barreiras fiscais estão preparadas para garantir fluidez.”
Com mais de um milhão de pacotes entregues por dia no atendimento principalmente dos marketplaces, a DHL Suply Chain colocou para rodar no fim de 2023 o projeto-piloto do DHL Fulfillment Network (DFN), a partir do CD de Jandira (SP), com vendedores compartilhando custos de armazenagem e distribuição. A iniciativa vingou e entrega cerca de15 mil pacotes por mês. A expansão, diz Guimarães, está traçada. Mais cinco operações – em Goiás, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, reunindo em média de 25 vendedores por unidade – iniciarão as atividades ainda neste ano.